Falar de planejamento tributário, expressão que, face à confusa e sufocante legislação tributária pátria passa a ser cada vez mais comum no meio empresarial, pressupõe com que se estabeleça, de forma clara, os limites entre a elisão e a evasão fiscal. Nesse aspecto, a correta distinção entre ambas se faz necessária na medida em que, não raramente, a elisão, prática que, antes de mais nada, deverá estar em consonância com a legislação tributária em questão, confunde-se com a prática criminosa da sonegação fiscal, onde, para evitar a tributação, o contribuinte age à margem da lei. Nesse aspecto, Fabretti (2006, p. 280) aponta para o fato de que, muito embora a ação constante do Fisco, que, de diferentes maneiras, age para fechar às portas para eventuais possibilidades de planejamento tributário, “a globalização e a abertura da economia, a criação de mercados regionais, como, por exemplo, o Mercosul, traz mudanças muito rápidas que criam novas alternativas e novas lacunas na lei, sempre mais lentas que a dinâmica dos fatos econômicos”. Esta situação torna-se ainda mais preocupante na medida que a Secretaria da Receita Federal, de forma reiterada e quase que diariamente, lança mão de instruções normativas para as mais diversas finalidades, inclusive para a instituição de obrigações tributárias acessórias, mesmo que esta seja uma prática não aceita posteriormente pelos Tribunais pátrios, conforme ampla jurisprudência a respeito da matéria.

 

A questão principal, porém, face a uma legislação tributária claramente voltada para os interesses do fisco é outra, qual seja, estabelecer, de forma clara, os limites entre o lícito e o ilícito tributário. Nesse diapasão, Gubert (2003, p. 31) afirma que “a distinção que se faz entre a elisão e a evasão fiscal está no aspecto temporal da ocorrência do fato gerador”, destacando que, na primeira, a conduta ocorre antes do fato gerador, e na segunda, após. Essa distinção, porém, parece ser insuficiente para estabelecer um limite claro entre a redução lícita e ilícita de tributos. Com este entendimento, Huck (apud Young, 2008, p. 70) menciona que “o aspecto temporal não pode ser considerado como único fator para diferenciar a elisão da evasão”, mencionando a emissão de nota fiscal adulterada como exemplo de crime tributário ocorrido antes do fato gerador, que, in casu, é a saída da mercadoria do estabelecimento. Passemos então, como forma de promover uma correta diferenciação das situações ora em pauta, a analisá-las de forma individual e pormenorizada.

 

ELISÃO FISCAL

 

Com vistas ao planejamento tributário, a elisão fiscal é o procedimento através do qual, mediante a prática de atos lícitos, realizados geralmente em momento anterior ao fato gerador, busca-se a obtenção de uma economia de tributos legítima, o que, conforme entendimento predominante na doutrina, poderá ocorrer a partir das seguintes hipóteses: a) impedindo-se com que o fato gerador ocorra; b) excluindo-se o contribuinte do âmbito de abrangência da norma, ou; c) reduzindo-se o montante do tributo a ser pago. Embora bastante abrangentes, estas hipóteses não são ponto pacífico entre os estudiosos da área.

Nesse sentido, Higuchi (2006, p. 616) aponta para a existência de apenas uma hipótese de elisão fiscal, que, em seu entendimento, manifesta-se somente como “a prática de ato, com total observância de leis, para evitar a ocorrência do fato gerador de tributos”. A prática, porém, tem demonstrado que o leque de possibilidades de economia tributária de forma lícita é bem mais abrangente. Nessa direção, é o entendimento de Marins (2002, p. 31), para quem “a adoção, pelo contribuinte, de condutas lícitas que tenham por finalidade diminuir, evitar ou retardar o pagamento do tributo é considerado como prática elisiva”, em manifestação que aponta para a possibilidade do contribuinte, após análise do caso concreto, optar por qualquer prática lícita que, de alguma maneira, torne a incidência do tributo menos onerosa. Com base nisso, as alternativas multiplicam-se, e quando efetivamente utilizadas, permitem a potencialização dos recursos financeiros da empresa, sem que esta esteja incorrendo em qualquer prática delituosa. A bem da verdade, não só o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, como também as instâncias superioras do Poder Judiciário, seja ele estadual ou federal, tem, em um entendimento hodierno, admitido toda e qualquer forma de economia tributária que, de alguma maneira, não esteja em confronto com a legislação pertinente à matéria, em uma concepção que passou a considerar a forma sobre o conteúdo, e onde o ilícito tributário só estará configurado quando expressamente previsto em lei. Não por acaso, o rol de crimes contra a ordem tributária e econômica está devidamente elencado em textos legais como a Lei nº. 8.137/90, e a Lei nº. 9.613/98, que, de forma específica, define o crime de lavagem de dinheiro.

 

Nesse cenário, para aqueles que desejam reduzir de forma lícita a carga tributária imposta sobre suas empresas as possibilidades são muitas, com algumas das mais comumente utilizadas sendo a reorganização societária, o reenquadramento da modalidade de tributação da empresa, o aproveitamento de incentivos fiscais, a compensação de créditos tributários extemporâneos, entre outras. O tema, porém, é, via de regra, polêmico, principalmente por que o Fisco normalmente não vê com bons olhos tais práticas. Veja-se, nesse sentido, o entendimento da Receita Federal, em texto disponibilizado em seu sítio na Internet, em manifestação cujo objetivo é, claramente, desencorajar o empresário a lançar mão de práticas elisivas:

 

A elisão fiscal é a utilização de falhas ou brechas contidas na própria norma legal para produzir economia tributária. Dá-se quando a lei permite entendimento diversos entre os operadores do direito tributário, com a finalidade de fugir do fato gerador do imposto. A elisão é tão complexa que, muitas vezes, é motivo de divergências na Administração Tributária, nos consultores externos e, até mesmo, dentro do próprio poder judiciário. (apud YOUNG, 2008, p. 73)

 

Não obstante tal entendimento, tem-se que a elisão fiscal é um instituto legítimo no sentido de permitir ao empresário a melhor forma de reduzir a carga tributária de sua empresa, seja ela decorrente da vontade expressa do legislador, ou, alternativamente, de lacunas ou, na expressão da própria Receita Federal do Brasil, de brechas existentes na legislação. No primeiro caso, a lei refere-se de forma expressa à possibilidade de redução de tributos, como, por exemplo, os chamados benefícios fiscais. Na outra hipótese, a partir de uma interpretação extensiva da lei, o contribuinte escolhe o caminho pelo qual é possível obter-se o menor ônus tributário possível, desde que, desta escolha, não resulte qualquer tipo de ilícito tributário. Trata-se, na visão de Young (2008, p. 74), de uma hipótese na qual “a elisão se caracteriza pela falha do legislador em não prever determinadas situações que poderiam ser consideradas tributáveis”. Ou seja, se não está expressamente prevista como conduta ilícita, a prática adotada pelo contribuinte com o propósito de reduzir a carga tributária a ser recolhida aos cofres públicos será, via de regra, uma prática elisiva e, portanto, lícita.

 

Paulsen (2010, p. 908), afirma que seja necessário diferenciar a elisão da simulação, isso por que, entende que ambas são bastante próximas. Para o autor, “as figuras (simulação e elisão – grifo nosso) não se equivalem, todavia, pois na simulação tem-se a pactuação de algo distinto daquilo que realmente se almeja, com o fito de se obter alguma vantagem”.

 

Sobre a elisão tributária, não obstante a busca incessante do fisco de forma para desconstituir a legalidade dos atos praticados pelos contribuintes, vale destacar o lecionado por Machado (2008, p. 74), para quem “não é razoável esperar-se que alguém, podendo pagar menos sem cometer ilegalidade, prefira pagar mais”. Para o eminente tributarista, um dos decanos do moderno direito tributário no Brasil, “se uma atividade pode ser exercida de formas diferentes, e uma dessas formas implica menor ônus tributário, não se pode esperar que o contribuinte escolha a forma mais onerosa”. A bem da verdade, porém, não se pode negar que a fronteira entre o lícito e o ilícito, muito embora, neste caso, a lei deva ser expressa em relação à conduta criminosa, é tênue, em um cenário onde, muitas vezes, apenas a manifestação do CARF ou do judiciário será capaz de esclarecer, de forma satisfatória, se uma determinada conduta está, ou não, dentro dos limites da prática elisiva.

 

Leandro Andrei Copetti Santos

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Fonte: Valor Tributário

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