Introdução
A recente aprovação da Súmula CARF nº 218 representa um marco significativo no cenário tributário brasileiro, consolidando o entendimento administrativo acerca da isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre o resgate de contribuições vertidas a planos de aposentadoria privada complementar por beneficiários acometidos de moléstia grave. Esta súmula não apenas confere maior segurança jurídica aos contribuintes, mas também reitera a sensibilidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em harmonizar a legislação tributária com os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção social. O presente artigo técnico-jurídico tem como objetivo analisar o alcance e os fundamentos da Súmula CARF nº 218, explorando os argumentos e as decisões que deram azo sua edição.
Contexto Normativo da Isenção de IRPF para Moléstia Grave
A isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas portadoras de moléstias graves encontra seu alicerce no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, que estabelece a não incidência do tributo sobre os proventos de aposentadoria ou reforma por acidente de serviço, bem como os percebidos por portadores de moléstia profissional, como por exemplo tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, dentre outros. Posteriormente, o inciso XXI do mesmo artigo estendeu essa isenção aos valores recebidos a título de pensão, exceto as decorrentes de moléstia profissional.
É imperioso destacar que a finalidade precípua dessa norma isentiva é de caráter social e humanitário. O legislador, ao conceder tal benefício, visou minorar o ônus financeiro imposto aos indivíduos que, em razão de enfermidades graves, veem-se compelidos a arcar com elevados custos de tratamento médico, medicamentos e adaptações em seu cotidiano. A isenção, portanto, busca permitir que os recursos que seriam destinados ao fisco sejam empregados na manutenção de sua saúde e qualidade de vida.
O CARF, por meio de sua Súmula nº 63, já havia consolidado o entendimento de que, para o gozo da isenção, os rendimentos devem ser provenientes de aposentadoria, reforma, reserva remunerada ou pensão, e a moléstia deve ser devidamente comprovada por laudo pericial oficial. A questão central que a Súmula CARF nº 218 veio a pacificar reside na interpretação da natureza dos valores resgatados de planos de previdência privada complementar e sua equiparação aos proventos de aposentadoria para fins de isenção.
A Súmula CARF nº 218: Alcance e Relevância
A Súmula CARF nº 218, estabeleceu:
“CARF – Súmula 218: O resgate de contribuições vertidas a plano de aposentadoria privada complementar por beneficiário acometido de moléstia grave especificada no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, está isento do imposto sobre a renda.”
A pacificação desse entendimento é de grande valia para o contribuinte, pois resolve uma controvérsia que por muito tempo gerou insegurança jurídica para os contribuintes e para a própria administração tributária. A principal discussão girava em torno da natureza jurídica dos valores resgatados de planos de previdência privada complementar.
Com a edição da Súmula CARF nº 218, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais pacificou o entendimento de que a modalidade de recebimento (seja por meio de renda mensal ou por resgate único) não altera a natureza previdenciária do capital acumulado. Por via de consequência, garantiu-se que o benefício fiscal concedido aos portadores de moléstias graves seja efetivo, independentemente da forma como o contribuinte opte por dispor de seus recursos previdenciários.
A súmula alinha o entendimento administrativo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), – como exemplo o julgamento do Recurso Especial 2121302/RJ de junho de 2024 – que já havia se posicionado favoravelmente à isenção em casos de resgate.
A formação da Súmula CARF nº 218 é o resultado de um processo de consolidação de entendimentos que se manifestaram em diversos julgados do Conselho.
Dois acórdãos em particular, fornecidos para esta análise, ilustram a linha de raciocínio que levou à pacificação do tema: o Acórdão nº 9202-009.228 e o Acórdão nº 9202-010.402. Os argumentos centrais são cruciais para compreender a gênese da súmula:
Natureza Previdenciária do Capital Acumulado: O julgado enfatizou que o capital acumulado em plano de previdência privada representa patrimônio destinado à geração de aposentadoria, possuindo, portanto, natureza previdenciária, equiparando esses valores aos proventos de aposentadoria ou pensão, contemplados pela isenção do art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88.
2. Irrelevância da Modalidade de Resgate: Um ponto fulcral da argumentação foi a afirmação de que a possibilidade de resgate não descaracteriza a natureza previdenciária da previdência complementar.
3. Interpretação Literal e Teleológica da Norma Isentiva: O acórdão defendeu uma interpretação literal da lei isentiva, enfatizando que a norma não faz distinção entre os valores pagos pela previdência pública, pela previdência privada ou pelo resgate.
Implicações e Segurança Jurídica
A Súmula CARF nº 218, ao consolidar o entendimento favorável aos contribuintes portadores de moléstia grave que resgatam seus planos de previdência privada complementar, traz uma série de implicações positivas. Primeiramente, ela proporciona maior segurança jurídica, reduzindo a litigiosidade administrativa e judicial sobre o tema. Com um posicionamento unificado do CARF e da PGFN, os contribuintes têm maior previsibilidade e clareza sobre seus direitos.
Em segundo lugar, a súmula reforça o caráter social da legislação tributária, garantindo que a intenção do legislador de amparar os indivíduos em situação de vulnerabilidade devido a doenças graves seja plenamente efetivada. A isenção do IRPF sobre esses resgates permite que os recursos sejam utilizados para o custeio de tratamentos, melhoria da qualidade de vida e suporte financeiro em um momento de grande dificuldade.
Por fim, A Súmula CARF nº 218, ao pacificar o entendimento sobre a isenção do Imposto de Renda sobre o resgate de contribuições de aposentadoria privada complementar (PGBL e FAPI) por portadores de moléstia grave, abre um leque significativo de oportunidades para a recuperação de créditos tributários. Essa pacificação, tanto no âmbito administrativo quanto em alinhamento com a jurisprudência do STJ e o posicionamento da PGFN, confere aos contribuintes uma base sólida para pleitear a restituição de valores indevidamente recolhidos.
Portanto, contribuintes que resgataram valores de aposentadoria privada complementar enquanto portadores de moléstia grave e tiveram o Imposto de Renda retido ou pago sobre esses montantes, podem pleitear a restituição. O prazo prescricional para a restituição de tributos é de cinco anos, contados da data do pagamento indevido.
Conclusão
A Súmula CARF nº 218 representa um avanço significativo na interpretação da legislação tributária brasileira, especialmente no que tange à proteção dos direitos dos contribuintes portadores de moléstias graves. E mais, não é apenas um avanço na interpretação da norma, mas tras segurança jurídica para esses indivíduos buscarem ativamente a recuperação de valores que lhes são de direito, minimizando o impacto financeiro de suas condições de saúde e garantindo a efetividade de um benefício fiscal de caráter social.
Referências
[1] Acórdão nº 9202-009.228 – CSRF / 2ª Turma, Processo nº 10073.003082/2008-18. Disponível em: Decisao_10073003082200818.PDF
[2] Acórdão nº 9202-010.402 – CSRF / 2ª Turma, Processo nº 13888.722510/2011-14. Disponível em: Decisao_13888722510201114.PDF
[3] Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7713.htm
[4] Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9250.htm
[5] Súmula CARF nº 63. Disponível em: https://www.gov.br/carf/pt-br/jurisprudencia/sumulas-carf/irpf
[6] Súmula CARF nº 218. Disponível em: https://www.gov.br/carf/pt-br/jurisprudencia/sumulas-carf/irpf
[7] Superior Tribunal de Justiça (STJ), REsp 2121302/RJ. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/2263267117/inteiro-teor-2263267120
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Fonte: Valor Tributário