A compensação tributária é um importante instrumento à disposição dos contribuintes para a quitação de débitos fiscais com créditos próprios. Contudo, a não homologação de compensações pela Receita Federal do Brasil (RFB) frequentemente resultava na aplicação de multa isolada, gerando grande insegurança jurídica e onerosidade.

Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por meio do Acórdão nº 3402-012.587, afastou a aplicação dessa penalidade, alinhando-se a uma decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF).

Este artigo analisará os fundamentos dessa importante decisão, seu impacto no contencioso administrativo fiscal e a segurança jurídica que ela proporciona aos contribuintes.

O Cenário da Compensação Tributária e a Multa Isolada

A compensação tributária, prevista nos arts. 156, II e 170 do Código Tributário Nacional (CTN) e regulamentada por legislação específica, permite ao contribuinte extinguir obrigações tributárias mediante o encontro de contas entre créditos e débitos próprios. No âmbito federal, a Lei nº 9.430/1996, em seu artigo 74, disciplina o procedimento de compensação de tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB).

Historicamente, um dos pontos de maior atrito entre o Fisco e os contribuintes residia na aplicação da chamada “multa isolada” de 50% sobre o valor do débito objeto de compensação não homologada. Essa penalidade, prevista no § 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, era aplicada automaticamente quando a RFB não homologava a compensação apresentada pelo contribuinte, mesmo que este tivesse agido de boa-fé e com base em créditos que acreditava serem legítimos. A justificativa do Fisco para a aplicação da multa era, além do fundamento legal previsto no parágrafo 17 do art. 74 supramencionado, a de que a compensação não homologada equivaleria a uma declaração indevida de crédito, gerando um débito não pago.

Essa prática gerava um cenário de grande insegurança jurídica, pois o contribuinte que realizava uma compensação de boa-fé, mas que por algum motivo não era homologada pela RFB (seja por divergência de valores, entendimento sobre o crédito ou falha formal), via-se imediatamente sujeito a uma multa de elevado valor, sem que houvesse qualquer intenção de fraude ou sonegação.

A discussão sobre a constitucionalidade e a razoabilidade dessa multa isolada escalou para as instâncias superiores do Poder Judiciário, culminando na análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do Recurso Extraordinário nº 796.939/RS.

A Decisão Vinculante do STF (Tema 736)

Após a controvérsia acerca da multa isolada de 50% sobre compensações não homologadas, essa foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 796.939/RS, com repercussão geral reconhecida (Tema 736). A tese firmada pelo STF, com trânsito em julgado em 20 de junho de 2023, estabeleceu que:

“É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária.”

Em suma, o STF entendeu que a simples negativa de homologação de uma compensação não configura, por si só, um ilícito tributário passível de penalidade automática. A Corte Suprema considerou que a imposição da multa isolada, nesses casos, violava os princípios da boa-fé objetiva e do devido processo legal, transformando o exercício legítimo do direito de petição do contribuinte em um ato punível.

Em outras palavras, no bojo do julgamento do RE nº 796.939/RS, entendeu-se que a penalidade em questão violava,  exatamente,  o  direito  de  petição  dos contribuintes,  bem  como  o  devido  processo  legal,  sendo  que “a aferição da correção  material  da  conduta  do  contribuinte  que  busca  a  compensação tributária na via administrativa deve ser, necessariamente, mediada por um juízo concreto e fundamentado relativo à inobservância do princípio da boa-fé em sua dimensão objetiva”.

Assim, reconheceu-se, em síntese, que a multa prevista no art. 74, §17, da Lei 9.430/96 é inconstitucional, tendo em vista que a mera não homologação de compensação tributária não consiste em ato ilícito com aptidão para ensejar sanção tributária.

Essa decisão do STF, por ser dotada de efeito vinculante, determina que deve ser observada por todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, incluindo o CARF. Para além da segurança jurídica conferida aos contribuintes, essa decisão representa um marco importante na proteção fiscal e na busca por um equilíbrio nas relações fiscais, afastando a aplicação de penalidades automáticas e desproporcionais em situações onde não há comprovação de dolo ou má-fé.

O Acórdão do CARF (nº 3402-012.587) e Seus Fundamentos

Em consonância e devido acato a tese firmada pelo STF no Tema 736, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) recentemente proferiu o Acórdão nº 3402-012.587, em sessão de julgamento realizada em 18/04/2025, afastando a multa isolada de 50% aplicada com fundamento no art. 74, § 17º, da Lei nº 9.430/1996, em caso que versava sobre uma compensação tributária não homologada pelo fisco.

Este acórdão do CARF é de suma importância, pois demonstra a internalização e aplicação do entendimento vinculante do STF no âmbito administrativo. A decisão do CARF reproduziu a integra da ementa elencando os fundamentos do julgamento paradigma (Acórdão nº 3402-012.568), que já havia se pacificado o entendimento a respeito da matéria.

Os fundamentos da decisão do CARF reforçam que a mera negativa de homologação de uma compensação pela Receita Federal não é suficiente para justificar a imposição da multa isolada. Assim, para que a penalidade seja cabível, é imprescindível a comprovação de conduta dolosa ou fraudulenta por parte do contribuinte, o que invariavelmente descaracteriza a boa-fé processual, principio norteador do direito tanto na seara administrativa como judicial.

A ausência de tal comprovação impede a aplicação da multa, garantindo que o contribuinte não seja penalizado pelo simples exercício de seu direito de questionar ou apresentar créditos. Essa postura do CARF contribui para a uniformização da jurisprudência e para a redução da litigiosidade fiscal, alinhando o contencioso administrativo aos preceitos constitucionais.

Implicações e Segurança Jurídica para o Contribuinte

A decisão do CARF, em conformidade com o entendimento vinculante do STF, traz implicações significativas e um reforço na segurança jurídica para os contribuintes. Primeiramente, ela estabelece um precedente importante no âmbito administrativo, indicando que a Receita Federal não pode mais aplicar a multa isolada de 50% de forma automática em casos de compensação não homologada.

Para os contribuintes, isso significa maior tranquilidade ao realizar compensações tributárias, pois a penalização so seria justificável em casos de dolo ou fraude na compensação realizada pelo contribuinte, o que exige do Fisco um ônus probatório maior.

Essa uniformização do entendimento entre o Poder Judiciário e o CARF contribui para a diminuição do contencioso administrativo e judicial, uma vez que as discussões sobre a constitucionalidade da multa isolada tendem a ser pacificadas. Empresas que possuem créditos tributários e desejam utilizá-los em compensações podem fazê-lo com maior segurança, sabendo que o exercício de seu direito, pautado na boa-fé e com atenção a legislação aplicável, não será automaticamente penalizado.

É fundamental que os contribuintes, ao realizarem compensações, continuem agindo com boa-fé e com a devida diligência na apuração e declaração de seus créditos. Contar com assessoria jurídica e contábil especializada é essencial para garantir a correta aplicação da legislação e o aproveitamento seguro dos créditos, minimizando riscos e otimizando o planejamento tributário.

Para as empresas, essa uniformização jurisprudencial significa maior previsibilidade e tranquilidade no uso da compensação tributária como ferramenta de gestão fiscal. É um passo importante para um ambiente tributário mais justo e equilibrado, onde a boa-fé do contribuinte é preservada e o litígio desnecessário é reduzido. Acompanhar e aplicar esses entendimentos é crucial para um planejamento tributário eficiente e seguro.

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Referências

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 796.939/RS (Tema 736). Relator: Ministro Edson Fachin. Julgado em 20 de junho de 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=736

[2] BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão nº 3402-012.587. Sessão de julgamento em 18/04/2025. Disponível em: [https://acordaos.economia.gov.br/acordaos2/pdfs/processados/11080738678201870_7279251.pdf]

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Fonte: Valor Tributário

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