Introdução
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma decisão de grande relevância para o direito tributário brasileiro, pacificou o entendimento sobre a tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para as sociedades uniprofissionais.
Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.323), o colegiado estabeleceu que a simples adoção da forma societária de responsabilidade limitada (LTDA) não impede, por si só, que a sociedade seja beneficiada pelo regime de tributação diferenciada por alíquota fixa do ISS.
Este artigo tem como objetivo analisar a fundo a tese firmada pelo STJ, os requisitos para a aplicação do benefício, os fundamentos da decisão e as implicações práticas para as sociedades uniprofissionais, que agora contam com maior segurança jurídica para o seu planejamento tributário.
O Regime De Tributação Diferenciada Do ISS E A Controvérsia Sobre As Sociedades Limitadas
O Decreto-Lei nº 406/1968, em seu artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, estabeleceu um regime de tributação diferenciada do ISS para os profissionais autônomos e as sociedades uniprofissionais. Esse regime permite o recolhimento do imposto por meio de uma alíquota fixa, calculada em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, em vez de uma alíquota sobre o faturamento.
Ocorre que a aplicação desse regime gerou uma longa controvérsia, especialmente no que tange às sociedades constituídas sob a forma de responsabilidade limitada (LTDA). O entendimento jurisprudencial até então era controvertido, onde diversos tribunais entendiam que a adoção da forma societária LTDA, por si só, já caracterizaria a sociedade como empresária, afastando-a do regime de tributação diferenciada. O argumento era que a limitação da responsabilidade dos sócios ao capital social seria incompatível com a pessoalidade e a responsabilidade individual que justificam o benefício.
Essa interpretação restritiva gerava grande insegurança jurídica para as sociedades uniprofissionais, que se viam obrigadas a litigar tentar obter o direito ao regime de alíquota fixa, mesmo quando a sua atuação fosse, na prática, personalíssima e sem caráter empresarial. A ausência de um entendimento pacificado nos tribunais superiores resultava em decisões conflitantes e em um cenário de incerteza para os contribuintes. Foi nesse contexto que o STJ, por meio do Tema 1.323, uniformizou a jurisprudência e trouxe clareza à questão.
A Pacificação pelo STJ: Análise do Tema 1.323 e Seus Requisitos
No julgamento do Tema 1.323, a Primeira Seção do STJ, sob a relatoria do Ministro Afrânio Vilela, consolidou o entendimento de que a forma societária de responsabilidade limitada (LTDA) não é, por si só, um impeditivo para a aplicação do regime de tributação diferenciada do ISS. A decisão, proferida sob o rito dos recursos repetitivos, tem caráter vinculante e deverá ser observada pelos tribunais de todo o país.
A tese jurídica firmada no Tema 1.323 estabelece que o tratamento fiscal mais favorável, previsto no artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/1968, é cabível para as sociedades uniprofissionais, mesmo que constituídas como LTDA, desde que três requisitos sejam cumulativamente observados:
Prestação pessoal dos serviços pelos sócios: A atividade principal da sociedade deve ser a prestação de serviços de forma pessoal pelos próprios sócios.Assunção de responsabilidade técnica individual: Cada sócio deve assumir a responsabilidade técnica individual pelos serviços prestados.Inexistência de estrutura empresarial: A sociedade não pode ter uma estrutura empresarial que descaracterize a natureza personalíssima da atividade.
Esses três requisitos, que já vinham sendo delineados pela jurisprudência do STJ, foram agora consolidados em uma tese vinculante, oferecendo um critério claro para a aplicação do regime de tributação diferenciada. A decisão do STJ, portanto, não cria um novo direito, mas pacifica um entendimento que já vinha se formando, trazendo maior segurança jurídica para as sociedades uniprofissionais.
A Natureza Da Atividade E A Pessoalidade Como Fatores Determinantes
O Ministro relator, Afrânio Vilela, em seu voto, deixou claro que os fatores determinantes para a concessão do benefício fiscal são a natureza da atividade desenvolvida e a pessoalidade da prestação do serviço. A legislação, segundo o ministro, não impôs restrição quanto ao tipo de constituição da sociedade, e a jurisprudência do STJ já vinha se consolidando no sentido de que o enquadramento no regime de ISS fixo independe do tipo societário.
O que se busca, na verdade, é diferenciar a sociedade uniprofissional, onde a atuação pessoal dos sócios é o elemento preponderante, da sociedade empresária, onde a organização dos fatores de produção se sobrepõe à atuação individual. A simples adoção da forma limitada da sociedade não transforma, automaticamente, uma sociedade de profissionais em uma sociedade empresária.
O STJ, com essa decisão, reafirma que a análise deve ser casuística, verificando-se, em cada caso, se a sociedade, na prática, atua como uma mera reunião de profissionais que prestam seus serviços de forma pessoal e sob sua responsabilidade, ou se ela se organiza como uma empresa, com o objetivo de explorar economicamente a atividade, congregando capital e trabalho de terceiros para obtenção de lucro.
A decisão do STJ, portanto, valoriza a realidade dos fatos em detrimento da mera forma jurídica, em linha com o princípio da primazia da realidade, tão caro ao direito tributário.
Em resumo, a decisão do STJ consolidou o entendimento de que o que importa não é a forma como a sociedade se constituiu, mas como ela efetivamente opera.
Implicações e Segurança Jurídica para as Sociedades Uniprofissionai
A decisão do STJ no Tema 1.323 traz implicações significativas e um reforço na segurança jurídica para as sociedades uniprofissionais, que agora contam com um critério claro e objetivo para a aplicação do regime de tributação diferenciada do ISS.
A tese firmada pelo STJ, por ter caráter vinculante, traz segurança jurídica para as sociedades uniprofissionais, que agora sabem exatamente quais requisitos devem cumprir para ter direito ao regime de alíquota fixa. Isso reduz a litigiosidade e a incerteza, permitindo um planejamento tributário mais seguro.
Ademais, as sociedades uniprofissionais que, no passado, foram indevidamente desenquadradas do regime de alíquota fixa apenas por serem constituídas como sociedades limitadas, podem agora, com base na decisão do STJ, pleitear a recuperação dos valores pagos a maior nos últimos cinco anos, observada a prescrição quinquenal.
Conclusão
A decisão do Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.323 representa um marco para as sociedades uniprofissionais no Brasil. Ao pacificar o entendimento de que a forma societária de responsabilidade limitada (LTDA) não impede, por si só, o enquadramento no regime de tributação diferenciada do ISS, o STJ trouxe segurança jurídica, reduziu a litigiosidade e valorizou a atuação profissional e a pessoalidade na prestação de serviços.
A tese firmada oferece um critério claro e objetivo para a aplicação do benefício, pondo fim a uma longa controvérsia que não se justificava. A decisão reforça o princípio da primazia da realidade e garante que o tratamento tributário seja condizente com a natureza da atividade efetivamente exercida, e não com a mera forma jurídica adotada.
Referências
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2162486/SP (2024/0144829-6). Tema Repetitivo nº 1.323.[ https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1323&cod_tema_final=1323]
[2] BRASIL. Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968. [https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0406.htm]
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Fonte: Valor Tributário